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Entrevista com Dom Orani
Em entrevista ao Jornal O Dia, Dom Orani João Tempesta, arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, disse que reza para que a pacificação das comunidades do Rio dê certo. À frente de milhões de católicos, ele conta que já fez procissão com homens armados, reprova as modernas missas-show e avisa que recebe os políticos, mas não vai pedir votos para ninguém. Com 62 anos, ele se prepara para receber o Papa Bento XVI na Jornada Mundial da Juventude, no ano que vem. “Pensam que no Rio nos escondemos de bala por onde passamos”.
Leia entrevista completa:
O Rio vai receber o maior evento de jovens católicos do mundo. Que cidade a igreja pretende apresentar aos visitantes?
Não tem muita opção de fazer um Rio de Janeiro diferente daquilo que ele é. Creio que vamos mais receber do que mostrar. O Rio é muito conhecido pelo mundo. Tem gente que conhece a cidade, está por dentro... Outros nos fazem muitas perguntas quando vamos a encontros internacionais. Esses, muitas vezes, estão preocupados com a forma de locomoção na cidade, se vai ter facilidades, dificuldades, se está pacificado mesmo.
Essa preocupação sobre a pacificação das favelas vem do Vaticano?
São os jovens de países europeus e americanos que perguntam e, às vezes, os pais deles. Isso é passado para o Vaticano, que nos repassa essas preocupações. O Vaticano recebeu no começo essas reclamações, que foram transmitidas para a gente. Mas acredito que sejam questões mostradas pela imprensa do exterior, que tem uma ideia de que, no Rio de Janeiro, a gente está se escondendo de bala a cada momento e por onde passa. Mas não é bem assim. Então, não temos pretensão de mostrar um outro Rio. É um Rio de belezas naturais, que tem um povo muito católico, diversidade cultural e religiosa, problemas dos mais diversos, sociais e também de segurança. As pessoas têm que vir sabendo o que o Rio é.
O senhor acredita que houve mudanças em relação à segurança no Rio com a tomada de territórios pelas forças policiais?
É obrigação do governo tomar conta da cidade. E havia locais em que não era o governo que estava tomando conta. Isso era um absurdo. Um absurdo jurídico e político também. Via-se que ali não podia entrar polícia, Corpo de Bombeiros, ninguém. Porém, é claro que não foram resolvidos os problemas das drogas e sociais. Há problemas sociais sérios para serem resolvidos, como emprego. Alguns passos foram dados.
Nessas andanças pelas comunidades, o senhor já se deparou com homens armados?
Várias vezes. Dependendo da favela, o padre pedia que, quando o bispo chegasse, não aparecessem tantas armas. Mas, em outros, as armas apareciam. Um dia, contei uns 50 fuzis enquanto eu passava da fronteira até a capela para celebrar missa de manhã.
Faz muito tempo?
Mais ou menos. Eu vivi isso. Em geral, eles (bandidos) eram muito respeitosos com a gente. Já fiz procissão com gente com arma do lado (em punho). Na hora, eles colocam a arma no chão e fazem o sinal da cruz.
Teve medo?
Não. Eles sabem que a gente está ali fazendo o bem, não para brigar.
O senhor acredita na pacificação?
Acredito na possibilidade de se tomar conta dos locais. Acho que há uma boa vontade do secretário de Segurança (José Mariano Beltrame) e também dos policiais novos. Os que estão indo embora têm muita dificuldade ainda. Eu torço para que a pacificação do Rio dê certo. Eu tenho torcido e rezado para que funcione, as pessoas vivam bem, tenham seus empregos e diminua a violência. Alguma coisa tem que ser feita.
A comparação entre Papas é inevitável. O João Paulo II era uma figura muito carismática. Já Bento XVI é mais reservado. Num evento para a juventude, isso pesa?
Cada um tem seu jeito. O Papa Bento XVI é um professor, teólogo, pensador, que tem outro estilo. Ele viveu muito tempo nesta área de ensino e escritos. Ele é uma cabeça pensante como não existe outra neste momento atual da história, enquanto reflexão, pensar o mundo e a sociedade. Cada um tem o dom que recebe. O João Paulo II foi um Papa muito jovem, aos 58 anos. Bento XVI, com 78 anos, 20 anos a mais e com outro estilo também. Mas vejo o que aconteceu em Colônia, na Alemanha; em Sidney, na Austrália; em Madri, na Espanha (cidades que sediaram a Jornada Mundial da Juventude). O fato de ele ser um tipo mais intelectual e mais reservado no seu jeito não o afastou da juventude. Pelo contrário. Recordo que no Pacaembu (São Paulo), quando foi pedida a vinda da Jornada para o Brasil, em 2007, os jovens foram falar com ele. Há receptividade. Ele não se manifesta da mesma forma que João Paulo II, porque cada um tem um jeito. Mas isso não tem afastado as pessoas.
Qual o diferencial mais positivo de Bento XVI?
O jeito paterno de ser. Quem se aproxima de Bento XVI consegue perceber isso com muita clareza: o jeito de ele ser, de escutar, de falar também com muita tranquilidade. Acho que isso comove muito a juventude.
É ano de eleição. Como é a sua relação com os políticos. Vai apoiar alguém?
Em geral, eles vêm conversar com a gente. Não me recuso a conversar com ninguém. Vêm, tiram fotografia. Eu escuto e falo da opinião da Igreja. E digo algumas coisas, conforme o caso. Sou claro para cada um: “Você tem boas ideias, acho que poderia ter tais outras, mas não fique esperando que eu vá dizer para votar em você.” Os católicos têm toda liberdade para fazer suas campanhas. A Igreja, enquanto instituição, não vai utilizar o púlpito para fazer campanha, mas orientar o povo para votar bem.
O que o senhor acha de padres que cantam e são quase celebridades?
O padre deve ser padre para valer naquilo que é seu trabalho, sua missão. Ele pode ter dons diferentes: um pode ser professor, pode fazer um bom trabalho social e pode também saber cantar, desde que o faça como bom cristão, bom católico. Não pode fazer da missa um show. A missa é um mistério da fé, que tem toda sua realidade, sua orientação, que tem que ser bem celebrado. Agora, se ele vai ministrar um sacramento — missa, matrimônio, batizado —, tem que se ater àquilo que a Igreja permite. Não pode fazer uma mentira, dar bênção a alguém que não pode casar, por exemplo, alguém que está no terceiro, quarto casamento. Isso é trair a própria fé. É uma questão de coerência. Se tem algum padre que faz, o bispo dele deveria chamar sua atenção.
Quem são os jovens que vêm à Jornada no Rio?
Serão várias mentalidades. Uma das coisas bonitas da Jornada é que os jovens vêm de países até inimigos um do outro, mas aqui se encontram como irmãos. Essa experiência, de pessoas que vêm de lugares antagônicos, até em guerra, e que voltam para suas pátrias sabendo que o outro não é inimigo e que podem dialogar é um bem que se faz à humanidade.
Como a Igreja vai tratar com os jovens assuntos como aborto, drogas e homossexualismo?
Os temas que o Papa vai tratar, não sei ainda. Mas é simples: o que se prega é a vida e o Evangelho. O jovem que acolhe Jesus Cristo e o Evangelho tem consequências disso em tudo o que vive. Não só na questão de aborto, mas também nas questões morais, da família, do homossexualismo.